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manuel pires da rocha

Intervenção de Manuel Pires da Rocha na Assembleia Municipal de Coimbra, apresentado a proposta da CDU para o Convento de S. Francisco:

Cultura é direito humano, elemento central na formação da consciência, da identidade, com o seu imenso potencial de criação, liberdade, transformação e resistência.

Aqueles de quem sou porta-voz olham para o Convento de S. Francisco e vêm-lhe a utilidade maior, e natural, de poder ser ferramenta de uma política cultural municipal. Para que São Francisco possa ser peça de um território mais amplo do que aquele que ali ocupa. Várias vezes subimos a esta tribuna prontificando-nos para trabalhar por um São Francisco que não fosse elefante, nem eucalipto, nem sequer o brinquedo novo dos natais da nossa infância em que os primos não mexiam para não estragarem. Consideramos que estragar São Francisco é pô-lo a falar para dentro, é não o cruzar com a Bonifrates e a Banda de Taveiro, o Conservatório e a Escola da Noite, o CAP e a Loucomotiva, mas também o Bando e os Bonecos de Santo Aleixo, a Companhia Nacional de Bailado e a Universidade, o Teatro Nacional e a ACERT, e tudo com tudo o que mexa por esse mundo fora e mereça ser vivido.

Não queremos para São Francisco o destino da venda a retalho nem o dos altares do glamour, de resto, tão recusado foi pelos franciscanos seus fundadores. 

Nunca menosprezámos a importância de lhe definir um rumo no panorama cultural municipal. Por isso, propusemos a criação de um Conselho Municipal de Cultura, aberto à participação dos agentes culturais, capaz de gerar consensos na definição democrática das políticas municipais para a Cultura. E nunca desvalorizámos a necessidade de o sustentabilizar. Por isso propusemos o acolhimento da Coleção Miró com que Serralves, mesmo sem precisar, se acrescentou notoriedade.

São Francisco é hoje um magnífico espaço da nossa Cidade. Tem instalações, tem equipamentos, tem a simpatia de quem lá vai. Mas faltam-lhe trabalhadores livres da precariedade, orgãos de gestão livres de outro interesse que não seja o do serviço público, programação livre do casuísmo e do anúncio em cima da hora.

São Francisco merece a análise coletiva que merece um equipamento daquela dimensão e importância, porque o seu funcionamento não pode ser um empecilho guloso ao desenvolvimento de todas - e são muitas - as iniciativas culturais da Cidade e da região - amadoras e profissionais, de impacto local e de impacto nacional, dirigidas a públicos vastos e a públicos diminutos. 

Neste dias o grupo político dos Cidadãos por Coimbra fez-nos chegar uma proposta de resolução que, naturalmente, contribui para colocar em cima da mesa uma questão essencial - a da estabilização do dossiê São Francisco. Concordamos com o preâmbulo, discordamos das duas recomendações produzidas no documento, pelas razões que passo a explicitar:

A constituição de uma Empresa Municipal comporta, no ambiente legislativo atual, grandes riscos ao nível dos requisitos de Viabilidade económico-financeira e racionalidade económica e de proibição de subsídios ao investimento, estrangulando, na prática, a sua ação a favor do interesse comum, e público. Não é uma solução capaz de cumprir o papel dinamizador que se exige a um equipamento desta natureza.

 

Não vemos, igualmente, razão para que as tarefas de gestão e programação, e sobretudo esta última, não obedeçam a critérios que sejam os da operacionalização de políticas geradas pela participação comunitária. Não confiamos na fiabilidade dos currículos que, um pouco por todo o lado, erigiram os gestores programadores culturais como definidores dos gostos e das propostas, sabedores supremos do que deve e não deve ser, do que deve e não deve existir, vindos do fundo da sua coluna de sapiência semear ilustração nos cérebros dos ignaros. Não nos esquecemos ainda da sementeira de quase nada que foi a da Coimbra Capital da Cultura, a cidade o ai-jesus dos tais programadores, mas apenas o tempo de instalarem a feira das suas indústrias com os feirantes das suas preferências, e depois, nada. Gestão cultural é coisa muito maior do que os atos eleitorais e a tentação de mandar dos dignitários. Gestão cultural ou é participação dos agentes culturais, dos cidadãos em geral, votem eles como votarem, ou é tentação dirigista. A competência também um produto da História, do confronto das convicções, da discussão dos gostos, do debate das opções.

 

Dito o que acabámos de dizer, a CDU propõe a esta Assembleia a adoção de duas recomendações que coloquem, num período que é do debate aceso das propostas para a gestão política municipal, o Convento de São Francisco, enquanto instrumento de ação política, no meio das preocupações.

Assim a nossa proposta é a de recomendar:

1. à Câmara Municipal, a abertura de um período de ampla discussão pública, calendarizada, destinada a debater papel que o Convento de São Francisco deverá assumir na vida cultural do município, que o mesmo é dizer na definição de políticas municipais para a Cultura;

2. à Assembleia Municipal a convocação, em data próxima, de uma Assembleia Municipal extraordinária, dedicada à discussão dos aspetos enunciados nas duas propostas apresentadas perante esta Assembleia.